16 de set. de 2007

A História de Lilly Brown II



=À sala de estar=
Quero escrever um livro... um romance, isso! Com muitas fadas, criaturas mágicas, cristais de Lua cheia..a outra face da Lua... a outra face da Terra, a outra face do Homem!
Não acha um tanto quanto pretensioso de sua parte? (passe-me a champagne por favor..)
Por que da champagne? O que há de se comemorar hoje?
Sua liberdade, e a busca de sua paz, meu bem. (Duas taças de cristal à mão)
Liberdade? E quem ousa falar em liberdade?
Pois não pensa em escrever um livro? A arte do ofício é libertar-se desse chão, viajar em palavras e cada vez mais precisar das mesmas.
Claro, a comunicação é indispensavel, o homem é um ser social! (Ela era infalível com suas frases feitas, compradas em revistas de salão-de-beleza.)
Usar palavras para comunicar-se consigo, dissecar os morfemas psicossomáticos de si; Escrever é tecer pensamentos, relações com as quais muitas vezes nem o próprio texto está de acordo. É tornar físico, legível aquilo que se tem escuro e escuso na mente. E cada vez mais viciar-se no processo. É uma droga que liberta e aprisiona e salva. É o que você quer?
(Bebe um gole seco.)
Como você é enigmático, suas palavras são algo que nunca legível, seu texto não está de acordo com sua mente psicossomática e psicopata; você é um psicopata dos sentimentos alheios!
(Bebe um gole amargo.)
Eu só quero escrever um livro, livrinho, livreco que seja. Por mais que queira defini-lo ou minimizar-me, das minhas palavras tenho domínio e uso. Não é preciso ter, na sala de estar, uma biblioteca como o Real Gabinete de Literatura para saber organizar uma frase. E meus pensamentos estão agora bem de acordo comigo, com a NBG e com os gramaticos mais categóricos que não sabem agir em imperativo categórico. (Infalível como sempre!)
Não me venha com imperativo categórico! Você não sabe nada de imperativo categórico! Você é mais uma vida perdida desses palcos da Lapa que eu fiz o favor de acolher!
(Bebe o chão uma das taças em cacos.)
E quem poderia explicar aquele olhar de Lilly? Fera ferida, fêmea encurralada que crescia vermelha naquela biblioteca a girar de ira! Jurou nunca mais pisar naquele chão, pisou-lhe a rosa, cuspiu-lhe a boca, desceu a escadaria de mármore. Jurou não olhar para trás. Não resistiu. Ao alto, ele a olhava perplexo, talvez admirado, talvez a amasse mais naquele instante. Mas ela cerrou a porta, jurou cerrar os olhos, os olhos de ira...

[Cla Cavalin]

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